terça-feira, 4 de setembro de 2012

QUESTIONANDO MAIS UM CLICHÊ: IRMÃO VOTA EM IRMÃO





Entre os muitos clichês no evangelicalismo brasileiro, está a famosa frase em tempo de eleição: “irmão vota em irmão”. Facilmente encontramos esse clichê nas bocas dos políticos evangélicos aproveitadores e de pastores avarentos e corruptos para incentivarem os membros de suas igrejas a votarem.

Esse clichê serve para que pastores mal intencionados, avarentos e “comerciantes do Evangelho” possam pressionar suas ovelhas a votarem nos candidatos que negociam ou dão algum benefício às suas igrejas. Esses pastores ainda sequestram a consciência de suas ovelhas afirmando que elas devem autoridade a eles e que, se elas votarem em outro candidato que eles não indicaram, estarão em rebelião. Mais grave ainda, quando o pastor divide o ministério pastoral com as eleições em nome de trazer benefício ao “povo evangélico”. Esses pressionam suas ovelhas e manipulam-nas com esse mesmo clichê exigindo que elas votem nele.

Alguns ainda têm a ousadia de citar versos bíblicos para justificar esse clichê. No entanto, a Escritura nos orienta de outra forma. Ela nos dá base para desconfiarmos dessa expressão que se torna uma arma para aproveitadores em tempo de política.

Precisamos pensar que o ideal é realmente um homem temente a Deus, que esteja com o seu coração na comunidade (não falo em igrejas específicas, mas na cidade como o todo, pois é isso que poderíamos chamar de “amar o próximo”) e que tenha capacidade para estar nos devidos cargos políticos. No entanto, nem sempre isso acontece. Muitas vezes um irmão se candidata, mas não é capaz suficiente de estar naquele cargo, como também não tem ética política, pois somente pensa em beneficiar sua igreja e seu pastor de origem ou as igrejas evangélicas sem analisar a necessidade no sentido geral da cidade.

Portanto, o temor a Deus inclui tudo isso. Desde estar capacitado para o cargo, zelo pela ética como ter uma visão política holística e não sectária.

Muitos desconhecem que existe no homem caído em Adão a imagem e semelhança de Deus e que existem ainda princípios morais e éticos nesse homem. Foi isso que Paulo afirmou:

Romanos 2:14-15  14 Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos.  15 Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se,

Paulo ainda ensinou aos romanos que ficavam na capital do império e que reclamavam, com certeza, dos governantes buscando rebelar-se contra eles reconhecê-los como ministros de Deus.

Romanos 13:1-4  Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas.  2 De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.  3 Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela,  4 visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.

Paulo estava ensinando à igreja de Roma que as autoridades daquela época que eram mais ímpias e idólatras que hoje serviam como ministros de Deus (v.4). Elas cumpriam o propósito de Deus em coibir o mal e equilibrar a maldade humana na natureza herdada em Adão. Portanto, Paulo deixa uma forte base de que Deus usa muito bem as autoridades ímpias para o seu propósito na sociedade. Até mesmo porque existem ímpios mais éticos na política que muitos que se dizem cristãos e crentes.

No Velho Testamento, Deus levantou um homem que não era judeu e chamou-o de “seu ungido”. O nome dele era Ciro, como afirma o profeta Isaías:

Isaías 45:1  Assim diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações ante a sua face, e para descingir os lombos dos reis, e para abrir diante dele as portas, que não se fecharão.

Isaías 45:13  13 Eu, na minha justiça, suscitei a Ciro e todos os seus caminhos endireitarei; ele edificará a minha cidade e libertará os meus exilados, não por preço nem por presentes, diz o SENHOR dos Exércitos.

Isso demonstra mais uma vez que Deus usa ímpios, pois Deus chamou Ciro de seu ungido, escolhido exatamente para cumprir o seu propósito de restabelecer o povo de Israel. Assim também, como Deus usou o rei Nabucodonosor para cumprir o seu propósito de juízo a esse mesmo povo.

Portanto, temos fortes bases para votar em qualquer pessoa que demonstre experiência, ética e conhecimento para administrar a cidade sem que seja necessariamente um crente, que muitas vezes é inapto e desonesto, pois nem sempre estas características estão presentes em crentes ou políticos evangélicos que se candidatam. O próprio Deus exigiu que Moisés escolhesse homens capazes em primeiro lugar:

Êxodo 18:21  21 Procura dentre o povo homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que aborreçam a avareza; põe-nos sobre eles por chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez;

Notem que Deus ordena que Moisés busque homens capazes, primeiro; depois, tementes a Deus e que aborreçam a avareza. Assim, se um ímpio tem mais características que um crente para um determinado cargo, este deve ser escolhido, pois como alguém pode estar à frente de algo que não entende, ou não estudou para isso, ou não buscou desenvolver suas habilidades para tal cargo? Seria ir contra os dons da graça comum que Deus distribui a todos os homens. Da mesma forma, como alguém pode ser escolhido se é avarento demonstrando através de suas maquinações na igreja para eleger-se?

Textos mal interpretados para esse clichê

Existem alguns textos que precisamos interpretá-los aqui. Eles não são difíceis, mas como a maioria que escolhe esse clichê é de pessoas incautas, devemos citá-los e analisá-los.

1 Timothy 5:8   8 Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos da própria casa, tem negado a fé e é pior do que o descrente.

O contexto que Paulo está advertindo a igreja nesse texto de 1Ti 5.8 é que as viúvas que não tinham parentes estavam sendo esquecidas (v.3,4) e estavam sobrecarregando a igreja com aquelas que tinham parentes. Por causa disso, Paulo fala para que Timóteo exorte a igreja a ter cuidado com os de sua própria casa. Não quer dizer absolutamente nada sobre política ou escolha de candidatos.

Galatians 6:10  10 Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé.

O segundo texto também não diz respeito à política, mas o fazer o bem em prática altruísta, no sentido geral. Mesmo porque, se prestarmos atenção, o voto não é um bem altruísta, mas um dever de cidadão dentro de características que foram acima citadas, pois o altruísmo se anula quando passa a ser feito por dever e obrigação. Se partirmos dessa interpretação, somente compraríamos em supermercado, loja de crente; abasteceríamos somente em posto de irmãos da igreja; matricularíamos somente em escolas de irmãos. No entanto, não é isso que o texto quer afirmar, mas que, antes de pensarmos em fazer uma ação social aos de fora, devemos perguntar se nossos parentes ou irmãos da igreja precisam. Isso nunca inclui a política, já que é uma ação social que exige coerção social conforme Émile Durkheim.

Portanto, irmão não é obrigado a votar em irmão. Candidatos irmãos e pastores que manipulam suas ovelhas por esse clichê, devem mudar seu procedimento e entender que os irmãos que se candidatam devem convencer pela capacidade administrativa, ética e verdade, pois tudo isso se resume em temor do Senhor. Caso não haja, ou até mesmo existam outros candidatos melhores em capacidade e comprometimento, os irmãos devem fazer uso da plena liberdade e democracia em votar naqueles candidatos que forem mais capazes e coerentes.

2 comentários:

  1. ótima reflexão, nos leva a questionar outro clichê que surgiu no meio dos neopentecostais que esposam a teologia do domínio, de que "o Reino de Deus avançará se os evangélicos ocuparem cargos estratégicos na política", quando,na verdade, Jesus distinguiu César de Deus(Lc 20:25), disse que o seu Reino não era deste mundo(Jo 18:36); e quando falou sobre liderança disse que o exemplo de hierarquia política mundana não era para ser seguido (Mt 20:26), pelo contrário liderança no Reino é sinônimo de "servidão".

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  2. Nilson,

    Tem toda razão. Esse é mais um clichê para prender a consciência dos incautos e ingênuos nas igrejas. Devemos rejeitá-la. O Reino de Deus avança em todas as áreas e não somente em cargos políticos. Deve-se começar, inclusive, pelo nosso voto e ética na escolha dos candidatos.

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