sábado, 24 de julho de 2010

ATAQUES À IGREJA INSTITUCIONALIZADA – II: UMA DEFESA DA DOUTRINA DO DÍZIMO




Nestes últimos anos o ataque à dádiva do dízimo tem se intensificado muito. Isso se deve a dois motivos: o primeiro é devido aos vários ataques à institucionalização da igreja. Se não existe igreja institucionalizada, o dízimo se torna inviável e inadequado, já que ele tem por objetivo de suprir as necessidades, principalmente dos obreiros e serviços nos lugares de culto.

O segundo motivo se deve a total leviandade como algumas igrejas neo-pentecostais tratam essa dádiva. O comércio do Evangelho, a exploração da fé, o esbanjamento de pastores da prosperidade e os escândalos envolvendo dinheiro têm levado, mais do que nunca, alguns questionarem o uso do dízimo na igreja.

Precisamos, mais uma vez, deixar claro que os pastores que questionam o uso do dízimo na igreja de hoje usam de muita sinceridade; porém, sinceridade não é sinônimo de correto. No entanto, precisamos entender que por alguns usarem o Evangelho e o dízimo de uma forma inadequada e comercial, não significa que estes sejam errados, mas precisamos analisar de uma forma bíblica e exegética se de fato é assim.

O objetivo desse ensaio é exatamente analisar de uma forma bíblica e exegética a dádiva do dízimo e trazer um maior conhecimento às pessoas que questionam se de fato o dízimo é para os nossos dias. Pretendo analisar o dízimo no NT e o que os apóstolos ensinaram sobre isso.

1. O dízimo foi somente para o VT?

Um dos grandes questionamentos em relação ao dízimo é se ele é para nós obedecermos ainda hoje. Alguns defendem que o dízimo, à semelhança das leis cerimoniais e civis, foram somente para Israel. Dentre esses que defende essa interpretação está o Pr. Ed Rene Kivitz. Em seu artigo ele ensina que o dízimo, à semelhança do Sábado e das leis cerimoniais, foi apenas para “uma disciplina temporária, até que o povo aprendesse que a Deus pertence ‘toda a prata e todo o ouro’ (Ageu 2.8)”. Ele ainda afirma: “No Antigo Testamento Deus estava prioritariamente associado a um lugar (o Templo), um dia (o shabat), uma atividade (o culto) e um grupo de pessoas (os sacerdotes)”. No entanto, ele completa: “mas no Novo Testamento ‘Deus não habita em templos feitos por mãos humanas’ (Atos 7.48,49), já não se deve julgar ninguém pelos ‘dias de festa ou sábados’, pois todos os dias são iguais (Romanos 14.5,6; Colossenses 2.16,17) e todos são sacerdotes (1Timóteo 2.5; 1Pedro 2.9,10)”.

Podemos até entender o critério hermenêutico do Pr. Kivitz porque realmente o VT precisa ser interpretado levando em conta o NT. Somente podemos dizer que algo do VT é obsoleto se o NT ensinar isso. Realmente as leis cerimoniais de serviço do templo e a guarda de dias e festas foram cumpridas em Cristo, pois tudo isso foi sombra do verdadeiro que é Cristo. Verdade também que todos nós somos sacerdotes reais em Cristo Jesus e ninguém pode ser privilegiado em relação ao acesso à presença de Deus. No entanto, o Pr. Kivitz não levou em conta algumas nuances importantes do dízimo que são decisivas para interpretarmos o seu uso para os dias atuais.

a)    A revelação do dízimo veio antes da Lei de Moisés

O dízimo aparece pela primeira vez no VT com Abraão em sua dádiva a Melquisedeque como uma manifestação de aliança (Gn 14.18-20). O dízimo não era costume somente dos israelitas, mas outros povos já faziam essa prática como adoração a seus deuses em aliança. Segundo o DITNT:
Na Babilônia, durante o reinado de Nabucodonosor II, todos, inclusive o rei, pagavam um dízimo da terra ao templo, e, ao mesmo tempo, os reis babilônicos cobravam o dízimo de todas as importações. Os sátrapas persas também exigiam o dízimo das importações. Ciro, o persa, no entanto, obrigou seus soldados a darem a Zeus o dízimo dos seus despojos. Pausânias (século II d.C.) dá muitos exemplos da Grécia e de Roma de um dízimo como imposto sobre as terras, que ocasionalmente se dedicava aos deuses. [1] 
Abraão entrega o seu dízimo a Deus em gratidão através de Melquisedeque que abençoa a Abraão. O dízimo foi entregue não como um mandamento, mas como um sinal de aliança entre Abraão e Deus através de Melquisedeque. O autor aos Hebreus repete esse episódio para falar do sacerdócio eterno de Melquisedeque e que ele foi um tipo de Cristo (Hb 7.1-10). O autor aos Hebreus confirma que o encontro entre Abraão e Melquisedeque foi uma aliança sacerdotal, pois Abraão pagou o dízimo pelos filhos de Levi (Hb 7.9). Na verdade, a linguagem dessa passagem é de aliança entre Abraão e Melquisedeque, tendo o sacerdote Melquisedeque aquele que liderava a aliança e a bênção, pois foi ele que abençoou a Abraão. Partindo desse detalhe, não se pode analisar o dízimo como uma lei cerimonial ou civil apenas porque foi feito muito antes dessas leis.

Apesar de que o dízimo foi colocado na lei para Israel entre as suas muitas leis cerimoniais, Abraão já tinha demonstrado que ele é um relacionamento de aliança entre Deus e seu povo, pois veio muito antes da lei.

No entanto, alguém pode argumentar que o sacrifício de animais veio também antes da lei levítica do holocausto. Porém, o sacrifício de animais se cumpriu em Cristo, claramente demonstrado no NT (Jo 1.29; 36; At 8.32; 1Pe 1.19; Ap 5.6) . Ao contrário do sacrifício de animais, que tipificava Cristo, o dízimo não é ensinado que se cumpriu no NT, mas, ao contrário, os apóstolos o confirmam, embora que não tenha sido de uma forma muito explícita como iremos explicar.

Moisés sendo autor do Pentateuco e inspirado pelo Espírito Santo para escrever esses livros sabia por que colocou esse episódio antes mesmo da lei. Quando Moisés escreveu o Pentateuco, sabia que estava tratando de um povo contaminado pela natureza caída do pecado e avarento. A natureza humana continua a mesma e precisamos saber que estamos em aliança com o Deus de Abraão firmada pelo sangue do Cordeiro de Deus e, à semelhança de Melquisedeque, precisamos entregar ao Senhor daquilo que temos, pois Deus é o Senhor de toda a terra, não somente no VT, mas em todo o tempo (Sl 24.1).

Quando o Pr. Kivitz afirma que o dízimo era somente por um período para que o povo aprendesse a solidariedade, ele subestima a natureza do pecado em todos os tempos. A mesma natureza egoísta e avarenta continua na nova aliança e ela precisa da mesma disciplina e isso através da dádiva do dízimo.

É verdade que Deus não está ligado mais a um templo ou local, não precisamos mais de um dia da semana e que todos os santos são sacerdotes reais da nova aliança. Não obstante a tudo isso, não podemos esquecer que precisamos de um local de reunião e adoração e isso tem custo (1Co 11.34); que precisamos de um dia para isso (At 20.7; 1Co 16.2) e que os pastores e obreiros devem ser dignos de dobrados honorários, sendo o trabalhador digno de seu salário (1Ti 5.17; Lc 10.7). Esquecer isso é tratar o assunto com muito simplismo e esquecer as necessidades da igreja institucionalizada.

b) O dízimo traz um mandamento moral

Outro aspecto que se deve levar em conta para a permanência do dízimo para a igreja de hoje é que quando Deus fala do dízimo em Ml 3.8-10 ele afirma que o povo o estava roubando. O furto e o roubo eram claramente leis morais e pecados (Ex 20.15; Lv 19.13). Todos sabemos que as leis morais sempre permanecerão diante de nós para que observemos, mesmo no NT (Mt 19.18; Rm 13.9; Ef 4.28). Embora que não fazemos isso para sermos justos, pois o justo viverá pela fé, mas para crescermos em santificação.

Quando Deus falou a Israel através do profeta que eles o estavam roubando quando deixavam de dar os dízimos e as ofertas, Deus estava associando essa transgressão a uma lei moral e, portanto, trazendo um princípio para a igreja em todos os tempos e épocas. Mesmo que entendamos que toda transgressão das leis cerimoniais e civis trazia uma quebra da lei moral indiretamente, mas essa está explícita e bem enfatizada.

Não obstante a isso, alguém pode defender que Deus falou que era roubo somente naquela circunstância e que no momento atual não é. Porém, para se afirmar isso teríamos que ter claramente um ensinamento do NT acerca da transitoriedade do dízimo como temos do sábado e de alimentos como Jesus e Paulo ensinaram, já que se trata de algo muito sério, pois o pecado era contra o próprio Deus. Portanto, qual a base para se dizer que isso deixaria de ser roubo, sendo que o NT continua condenando o roubo e o furto, e que o NT não nos dá base para que deixemos de dar o dízimo? Para aqueles que advogam e aceitam somente as ofertas voluntárias na igreja, não podem esquecer que nessa passagem também fala das ofertas (Ml 3.8). Diante disso, mesmo assim, o texto não é levado em conta? Se o texto é levado em conta só para as ofertas, por que também não é para o dízimo?

Malaquias também falou sobre o divórcio, a infidelidade conjugal e a violência (Ml 2.15,16). Todos esses pecados são ainda considerados no NT, mesmo levando em conta a diferença conjuntural e circunstancial da passagem. No entanto, esses princípios são levados em conta e ninguém questiona que é somente para o VT, mesmo percebendo que Paulo foi também muito reticente no que diz respeito ao divórcio no geral, falando somente de apenas um caso e não tocando na cláusula excetiva que Jesus falou nos Evangelhos.

Se aceitarmos como pecado o que Malaquias falou sobre o divórcio, a infidelidade conjugal e a violência no cap. 2.18,19, por que não aceitaríamos sobre o roubo ao Senhor, pois é a única passagem na Bíblia que fala do roubo a Deus. Geralmente o roubo é contra o próximo, mas a passagem de Malaquias fala do pecado contra o próprio Deus. Por isso, a palavra hebraica usada por Malaquias no verso 8 é ‘adam (homem). Deus faz a pergunta ao homem, mostrando uma certa universalidade e algo enfático: homem finito roubando o Deus Infinito. Portanto, que autoridade temos de chamar obsoleto uma transgressão contra o próprio Deus? Principalmente quando o NT não nos autoriza para tal coisa? Isso é loucura!

Portanto, a resposta à pergunta do tema é exatamente que o dízimo não é somente para o VT, mas para a igreja de todos os tempos e épocas, já que se trata de um relacionamento de aliança entre Deus e o homem ensinado por Moisés antes da revelação da Lei mosaica e que se trata de um princípio explícito da quebra de uma lei moral, que é o roubo e o furto.

A maldição no livro de Malaquias

Ainda se tem ainda que responder talvez uma objeção aparente quando se toca no livro de Malaquias. Pode-se perguntar: então aquele que sonega o dízimo está debaixo de Maldição como afirma Ml 3.9? Como podemos estar debaixo de maldição se nós fomos abençoados com toda sorte de bênçãos espirituais em Cristo Jesus e o próprio Cristo nos resgatou de toda maldição da Lei (Ef 1.3; Gl 3.13)?

Precisamos pensar que Malaquias traz uma linguagem e cultura do VT. Quando Malaquias fala em maldição, ele está trazendo a imagem de pecado. Ou seja, a palavra maldição no VT vem como sinônimo de transgressão da Lei moral. Isso é ensinado em várias passagens. A primeira está em Dt 22.21,22. Notem que a pessoa que pecasse seria pendurada no madeiro chamada de maldita. Em outra passagem, Moisés afirma que aquele que transgredisse as leis dos 10 mandamentos era considerado maldito (Dt 27.15-26). O que Malaquias está dizendo é que os israelitas estavam quebrando a Lei de Deus e trazendo conseqüência de maldição, ou seja, quebra da Lei moral. Realmente, o pecado é a transgressão da Lei (1Jo 3.4) e a transgressão da Lei é uma maldição porque quebra a aliança (Gl 3.10). Não se pode esquecer que Yahweh é um Deus pactual. A lei demonstra apenas que o homem quebrou esse pacto no Éden e que deveria esperar o Messias que cumprisse o pacto com perfeição. Portanto, tudo se resume na palavra pecado. Sabemos que se um cristão transgredir a lei de honrar os seus pais ele peca da mesma forma que qualquer ímpio (Dt 27.16). A diferença é que Cristo se tornou maldição em nosso lugar pagando toda a conseqüência da Lei moral (Gl 3.13,14), mas, mesmo assim, a palavra maldição para nós se torna um indicativo de pecado. Se levarmos em conta a maldição de Malaquias, deveríamos levar em conta também a maldição de Dt 27.15-26, pois tratam de leis morais que podemos transgredi-las no dia a dia. No entanto, a maldição demonstra um indicativo de pecado na linguagem do VT.

2.     O dízimo no Novo Testamento (NT)

Outro grande questionamento para o dízimo é se ele tem base no NT ou se os apóstolos trataram como um mandamento que ultrapassasse até a nova era da igreja de Cristo. O que se questiona é por que os apóstolos não foram tão claros com respeito ao dízimo, já que este era para a igreja em todos os tempos? Por que a própria palavra dízimo é quase não usada no NT, com exceção da passagem de Hb 7 quando fala de uma passagem de Melquisedeque do VT?

Precisamos entender que não foi somente com o dízimo que os apóstolos agiram assim. Existem outros assuntos revelados e até mais sérios que os apóstolos praticamente não tratam e nem ordenam. Isso pode ser explicado devido a consciência apostólica que TODA ESCRITURA É INSPIRADA POR DEUS (2Tm 3.16).

Um dos exemplos do VT é a proibição do incesto. Os vários tipos de incesto foram proibidos no VT em Lv 18.6-17; porém, em nenhuma passagem do NT o incesto é tratado e proibido de forma plena e explícita pelos apóstolos. O que se tem é apenas uma passagem que Paulo fala aos coríntios que demonstra que foi erro e digno de disciplina quem possuiu a mulher de seu pai, mas não houve nenhuma proibição explícita em detalhes sobre isso por nenhum outro apóstolo (1Co 5.1-5). Mesmo assim, Paulo só tratou de um só caso, o de “possuir a mulher do seu pai”, mas ficaram todas as outras relações parentais reveladas do VT sem tratar. Afinal de contas, poderíamos dizer que só seria pecado somente o que Paulo tratou como pecado e não todas as reveladas no VT? Segundo o critério hermenêutico dos que advogam que o dízimo é somente para o VT teria que interpretar dessa forma os demais casos de incesto. No entanto, o VT não é sinônimo de obsoleto, mas deve ser interpretado de acordo com o NT, levando em conta que as leis morais sempre serão levadas em conta e as demais leis civis e cerimoniais foram cumpridas em Cristo. No entanto, como escrevemos acima, o dízimo veio antes da Lei cerimonial sendo um relacionamento de aliança e foi diretamente relacionado à lei do roubo.

Outro exemplo está no próprio NT acerca da cláusula excetiva de Jesus do divórcio (Mt 5.31,32; 19.8, 9). Nenhum apóstolo tratou desse assunto. Temos apenas Paulo tratando que se o marido incrédulo deixar a sua mulher crente e que ela se separasse não casasse (1Co 7.10-16). No entanto, Paulo não tocou na cláusula excetiva de Jesus sobre o divórcio. Claro que sabemos que Paulo não estava ignorando nem desfazendo o ensino do Senhor Jesus, mas complementando como uma pessoa inspirada pelo Espírito Santo. O que dizermos disso? Estaria a cláusula excetiva de Jesus somente para o tempo de Jesus, já que somente ele tratou desse assunto? Embora que em alguns grupos tenha essa interpretação, isso quebraria a unidade e o ensino de que “TODA ESCRITURA É INSPIRADA POR DEUS” ensinada por Paulo.

No caso do dízimo, apesar de que não houve um mandamento explícito chamando pelo nome no NT, os apóstolos demonstraram alguns princípios que demonstram que o dízimo é ainda para os nossos dias. Vejamos alguns textos:

a) Mateus 23.23

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!
Esta passagem precisa ser levada em conta o contexto e o objetivo que os apóstolos escreveram os Evangelhos. Todos eles tinham a intenção de ensinar doutrinariamente a igreja entre os anos 50 e 80 da nossa era, se levarmos em conta a data bem recente dos primeiros evangelhos. Os evangelistas tinham como propósito, principalmente, doutrinário e teológico para defender a fé cristã. Cada passagem dos evangelhos foi escolhida e selecionada por eles para um objetivo. Por exemplo, não foi à toa que Mateus foi o que mais falou do Sermão da Montanha, já que a ênfase dele era cristãos vindo do judaísmo e seu objetivo foi mostrar a interpretação de Jesus para com a Lei moral de Deus. João escolheu sete milagres que demonstrassem a divindade do Filho de Deus. Portanto, os evangelistas era criteriosos e escreviam com objetivo.

Este texto impressiona porque Jesus está fazendo uma contundente crítica aos fariseus proclamando vários ais que os profetas do VT proclamaram da mesma forma. No entanto, Jesus fala do dízimo colocando-os no nível de princípios morais como a justiça, a misericórdia e a fé, embora que ele deixe claro que a justiça, a misericórdia e a fé são mais importantes. Jesus, então, finaliza dizendo que deveriam fazer estas coisas, sem omitir aquelas. Mateus usou o verbo grego (αφιεμι / aphiemi) traduzido para omitir que quer dizer deixar solto, livre. Portanto, Jesus estaria dizendo em outras palavras que é necessário praticar a justiça, a misericórdia e a fé sem negligenciar o dízimo. Jesus orientou que eles buscassem tudo isso, mas também não esquecessem de observar o uso do dízimo.

Essa expressão grega nessa advertência usada por Mateus acerca do dízimo é usada da mesma forma por Paulo em 1Co 7.11 para que o marido não se apartasse de sua esposa, demonstrando, assim, que Jesus estava tratando de um mandamento. O interessante é que isso não aconteceu com o Sábado nem com os alimentos. Jesus ao ensinar sobre o Sábado e sobre os alimentos, ele já demonstrava que eles eram transitórios.

A expressão grega de Mt 23.23 “ταυτα εδει ποιησαι κακεινα μη αφιεναι” demonstra uma profunda ligação entre as partes. Isto quer dizer que tanto é necessário e importante fazer “εδει ποιησαι”, como também não se deve negligenciar ou omitir aquelas (falando do dízimo) κακεινα μη αφιεναι. Paulo usa essa mesma expressão μη αφιεναι em 1Co 7.11. Ele escreve: “και ανδρα γυναικα μη αφιεναι”. Isso demonstra que o que Jesus falou era uma advertência com relação ao dízimo e que a igreja deveria observar. Para evitar esse contundente argumento, alguns dizem até que essa última parte não tenha sido escrito por Mateus, mas por um escriba legalista (veja William Hendriksen em seu comentário de Mateus-II pág. 464). Porém, não existe nenhuma crítica textual nessa parte do verso e esse argumento demonstra um total desespero de interpretação, pois o argumento de Jesus escrito por Mateus é confirmado em Lucas 11.42.

b)    1 Coríntios 9.13,14
Não sabeis vós que os que prestam serviços sagrados do próprio templo se alimentam? E quem serve ao altar do altar tira o seu sustento?  Assim ordenou também o Senhor aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho; 
Esse texto é um dos textos bem didáticos sobre o dízimo, pois Paulo usa exatamente o serviço dos sacerdotes no VT. Paulo afirma que os que servem ao altar tira o seu sustento do próprio altar. Paulo está falando exatamente dos levitas e sacerdotes, pois os levitas e sacerdotes eram sustentados pelos dízimos do povo (Nm 18.22-26; Dt 12.19). O contexto é que Paulo estava sendo acusado de sobrecarregar os irmãos das igrejas. Ele responde usando várias metáforas como a do soldado que não vai à guerra a suas próprias custas, daquele que come da própria vinha e que bebe do leite do rebanho que apascenta (1Co 9.7). No entanto, Paulo fala do dízimo não mais como uma metáfora, mas como um modelo do VT. Por isso que ele colocou sobre o sacerdote separado das metáforas no v.13. O mais interessante é que ele faz uma ligação da expressão de Jesus em Lc 10.7 para a sua ilustração do sustento do sacerdote, mostrando que o Senhor ordenou o sustento do obreiro através dos dízimos. Portanto, Paulo está claramente ensinando nessa passagem o uso do dízimo, pois isso era a forma que os levitas e os sacerdotes eram sustentados.

Alguém pode argumentar que todos nós somos sacerdotes reais (1Pe 2.9). Portanto, o dízimo não se aplica mais para nós. Esse argumento não se sustenta nesse texto porque Paulo deixa claro que ele está se referindo aos obreiros e aqueles que trabalham na obra de Deus. Não é porque todos somos sacerdotes reais que não se use mais nenhum aspecto do sacerdócio para falar aos obreiros. A ênfase de Paulo aqui não é O ACESSO A DEUS, que somente os sacerdotes tinham, mas o SEU SUSTENTO. Realmente, em relação ao acesso e o privilégio de chegar à presença de Deus, todos nós somos sacerdotes reais, mas no sentido de sustento, nem todos vivem somente da obra de Deus, pois Paulo ensina a Timóteo que os presbíteros que se afadigam na Palavra são dignos de dobrados honorários (1Tm 5.17,18).

É o que Simon Kistemaker explicou quando comentou sobre esta passagem:
Assim mesmo, eles deveriam entender que as provisões para os sacerdotes e levitas são as mesmas para os pregadores do Evangelho. Não a forma, mas o princípio por trás dessas providências precisa ser observado. Não deveria haver diferença nenhuma.[2] 
Em seu outro comentário de Hebreus 7.1-10 ele ainda escreve:
Na época do Antigo Testamento, o dízimo era usado para sustentar o sacerdote, o levita e as cerimônias religiosas no santuário. No NT, Jesus ensina que o trabalhador é digno de seu salário (Lc 10.7). Paulo repete essa regra, tanto indiretamente quanto diretamente quando ele escreve sobre o auxílio financeiro daqueles que proclamam o Evangelho (1Co 9.14; 1Tm 5.17,18).[4]
Embora que Kistemaker admita que no NT não haja nenhuma imposição ao dízimo explícita, ele reconhece na passagem de 1Co 9.14 que Paulo estava falando do sacerdote e do dízimo. Portanto, se Paulo estava falando do dízimo como sustento do sacerdote e usando-o como um paradigma de sustento para o obreiro, fica claro que Paulo está ensinando o princípio do dízimo.

O interessante ainda nessa passagem é a profunda relação que Paulo faz entre a passagem do VT “não amordaces o boi, quando pisa o trigo” com a expressão do Senhor Jesus “o trabalhador é digno de seu salário” (1Co 9.18). Isso demonstra que Paulo usa perfeitamente o VT como comprovação de seus argumentos do salário do obreiro e intensifica quando infere o dízimo para o sustento dos levitas e dos sacerdotes. Isso demonstra que Paulo entendeu que quando Jesus falou isso em Mt 10.10 e Lc 10.7 estava se referindo perfeitamente ao sustento do obreiro manifestado nos dízimos dos sacerdotes no VT.

c)     Hebreus 7.8
Aliás, aqui são homens mortais os que recebem dízimos, porém ali, aquele de quem se testifica que vive. 
Essa passagem se torna uma evidência de ensino do dízimo mostrando que as igrejas pagavam o dízimo na época. A epístola aos Hebreus foi escrita depois dos anos 70, depois que Jerusalém foi destruída e a religião judaica já estava em crise por causa da diáspora dos judeus.

Pela expressão podemos perceber a total intimidade da igreja em relação ao dízimo porque para que o autor usasse o dízimo como argumento de uma relação em aliança, a igreja deveria saber ou estar usando como prática na igreja local. A familiaridade da igreja com o dízimo foi que levou o autor a enfatizá-lo no episódio de Melquisedeque, já que alguns perderam o costume de congregar e fez o autor exortá-los a não abandonarem a congregação (Hb 10.25)

Notemos que o autor afirma que os homens “recebem dízimos”. O contexto é sobre Melquisedeque que recebeu o dízimo de Abraão sendo comparado a Cristo que foi sacerdote eterno. O autor para mostrar a grandeza daquele que recebeu o dízimo em Abraão, demonstra que “os homens mortais recebem dízimos aqui”. O verbo grego λαμβανουσιν / lambanousin está no presente do indicativo mostrando uma ação constante e presente. Poderíamos até traduzir como: “e aqui, homens mortais ESTÃO RECEBENDO dízimos, mas lá aquele que testifica que vive.

A expressão grega και ‘ωδε μεν δεκατας αποθνησκοντες ανθρωποι λαμβανουσιν demonstra que a ação dos homens mortais é de profunda ênfase presente. Tanto o verbo αποθνησκοντες no particípio presente como o verbo λαμβανουσιν no presente do indicativo ativo demonstram que o autor usa o exemplo de igrejas que estavam dando o dízimo. Talvez por trazerem uma influência judaica. De qualquer forma, o autor usa como algo normal e usa o argumento em favor da aliança entre Abraão em Melquisedeque.

Essa expressão demonstra que as igrejas estavam dando o dízimo ainda naqueles dias. Podemos entender isso porque era uma igreja com profundas influências judaicas, mas o interessante é o que o autor usa o argumento e a prática dessas igrejas como comprovação do argumento da aliança entre Abraão e Melquisedeque afirmando que estavam dando dízimo. O autor em nenhum momento demonstrou a transitoriedade do dízimo, ao contrario, ele confirma como um relacionamento de aliança e que a igreja que “estava dando” o dízimo teria que entender o seu valor na revelação da aliança da graça.

Conclusão:

Diante de todo esse apanhado, precisamos analisar que o dízimo foi incentivado pelos apóstolos e pelo próprio Jesus. Se aconteceu assim, somente um motivo evitará de nós continuarmos a dar a décima parte de nosso sustento – avareza e egoísmo.

Alguns afirmam que não é obrigado ser a décima parte, mas uma oferta contínua e até regular na igreja para sustentar as coisas da igreja. Afirmam que se evitarmos falar na décima parte, as pessoas poderiam dar até mais de dez por cento. Porém, por que colocar outra porcentagem se Deus já instituiu a sua? Por acaso, queremos ser mais sábios que o próprio Deus? Quem dá uma oferta regular, dá segundo alguma porcentagem de seu sustento. Portanto, por que dar uma oferta com uma determinada porcentagem, sendo que Deus já instituiu a sua. Somente uma resposta nos vem: soberba? O homem prefere determinar a sua porcentagem porque ele fica com a glória. Se ele obedecer a Deus, a glória fica somente para Deus.

Deus não está interessado em sacrifício, mas em que se obedeça a sua Palavra (1Sm 15.22). Deus não está interessado se damos 80 ou 99% do nosso salário se isso vem com soberba em detrimento aos mandamentos de Deus. Jesus elogiou uma viúva pobre mais que os ricos que deixavam suas ofertas no gazofilácio. Isso porque ela deu de tudo que ela tinha, os demais, do que sobrava (MC 12.42-44). Portanto, Deus não está interessado em quantidade, mas em obediência.

Por isso, ele ordena aos LADRÕES: TRAZEI TODOS OS DÍZIMOS À CASA DO TESOURO (Ml 3.8-10).


[1] BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, V. I: A-D, 1984, p. 676.

[2] KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 416.

[3] KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: Hebreus. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 270.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

ATAQUES À IGREJA DE CRISTO INSTITUCIONALIZADA: UMA DEFESA À DOUTRINA DA IGREJA




Nesses últimos anos a igreja de Cristo como instituição tem recebido fortes críticas. A razão é devido aos muitos escândalos e à profunda mercantilização do Evangelho vindo da Teologia da Prosperidade.

Os ataques já vinham sendo feito em poucas medidas por alguns líderes, mas nesses últimos anos, os ataques vêm sendo feitos por muitos pastores descontentes com a atual situação da igreja. Dentre esses, o principal crítico da igreja institucionalizada é o Pr. Caio Fábio.

O Pr. Caio Fábio, em seu site e programas, declara a falência desta igreja. Aproveitando as muitas pessoas feridas na igreja, enfraquecidas e carentes de doutrina da eclesiologia mais consistente, ele aconselha essas pessoas a perder de vista a igreja institucionalizada, porém, com muita incoerência e contradição, ele encaminha essas pessoas a um determinado grupo a quem ele chama de “pessoas de Deus”. O que impressiona que esses pastores falam como estivessem fora. Esquecem que eles fizeram ou fazem parte do problema dela. Como alguém pode falar mal da igreja se é parte do problema dela? Como posso desqualificar a igreja se eu fui um problema para essa igreja?

Partindo disso, pode-se ver o Pr. Caio Fábio desestimulando a dar o dízimo e desafiando a qualquer um que o prove a validade deste. Muitas pessoas incautas e fracas doutrinariamente têm acompanhado seus ensinamentos e aprendido de sua cartilha sem perceber que isso é prejudicial à fé cristã e não percebem o que a Bíblia ensina sobre a sua igreja. Portanto, o meu objetivo nesse ensaio é analisar a hermenêutica desses pastores, o que diz a Bíblia sobre a igreja e o perigo dessa doutrina.

Preciso, antes, fazer algumas observações: primeiro, eu não escrevo como alguém isento de falhas, mas dentro desta igreja que tem falhas e que geme esperando a redenção dos nossos corpos no dia do nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo, não tenho a pretensão de evidenciar qualquer coisa moral dos nomes citados, pois os admiro de coração apesar das minhas fortes críticas ao seu posicionamento à Igreja de Cristo institucionalizada. O meu objetivo é demonstrar o perigo, a incoerência e a profunda falta de análise das Escrituras nessa doutrina.

1. O Problema Hermenêutico

A hermenêutica tem uma influência direta à nossa interpretação da Bíblia. Hermenêutica, que são os princípios de interpretação, pode ser tanto consciente como inconsciente. Toda pessoa que se chegue à Bíblia terá alguns princípios de interpretação, pode ser a mais inculta. Ela pode fazer o uso dela de uma forma acadêmica porque a aprendeu ou pode fazer de uma forma intuitiva. Seja de uma forma ou de outra, vamos às Escrituras com normas de interpretação.

O grande problema da doutrina da igreja é com qual hermenêutica e pressuposto vamos à Bíblia. Por exemplo, existem alguns que acham que a base para a igreja é somente o Novo Testamento. Esses são aqueles não aceitam algumas liturgias como danças, manifestações de louvor alto ou palmas que são claramente demonstrados nos salmos e em outras passagens do VT. Outros, como no caso de Caio Fábio, tem como base praticamente os Evangelhos. Tanto o VT e as cartas de Paulo foram colocados em segundo plano, como um artigo que ele escreveu demonstrando que Paulo poderia ter surtado algumas vezes. Na verdade, à semelhança dos hereges do primeiro século, como Marcion que eliminou o VT, as cartas de Paulo e algumas passagens dos Evangelhos, a Escritura é interpretada por Caio Fábio de uma forma que ele fique confortável diante da doutrina da proibição ao divórcio e a total emancipação da igreja institucionalizada.

O apóstolo Paulo também teve essas dificuldades diante dos falsos mestres em Éfeso. Por causa disso, ele ensinou a Timóteo: TODA ESCRITURA É INSPIRADA POR DEUS E ÚTIL PARA O ENSINO, PARA A REPREENSÃO, PARA A CORREÇÃO, PARA A EDUCAÇÃO NA JUSTIÇA, A FIM DE QUE O HOMEM DE DEUS SEJA PERFEITAMENTE HABILITADO PARA TODA BOA OBRA (2Tm 3.16,17).

Paulo ensinou claramente que não se pode jamais desprezar o VT em qualquer doutrina bíblica, pois Paulo estava em mente, principalmente o VT, pois foi esse que ele usou para basear-se em seus ensinos. Ele afirmou que toda Escritura é útil para fazer-nos aptos para toda boa obra.

Quando excluímos o VT para qualquer doutrina, estamos cometendo um grave erro de Hermenêutica, pois a Bíblia é um todo (VT e NT). Quando se analisa somente uma parte ou despreza a outra, com certeza essa interpretação será deficiente. Existem doutrinas que a base estará sempre no VT como a doutrina da queda, a Lei de Deus e outras. Na verdade, precisamos interpretar o VT diante do NT, mas jamais eliminá-lo em uma interpretação ou dizer que algo foi somente para o VT sem que o NT demonstre tal coisa.

Da mesma forma, não podemos interpretar a Bíblia achando que somente uma parte dela é mais importante que a outra, pois TODA ESCRITURA é inspirada por Deus e toda ela precisa se harmonizar. Por isso, o nosso pressuposto com relação à sua inspiração e inerrância influenciará profundamente a nossa interpretação.

Apesar de que a igreja de Cristo foi edificada por ele (que é o conjunto de judeus e gentios convertidos), a igreja sempre existiu no VT, pois Jesus afirmou que muitos sentariam à mesa com Abraão, Isaque e Jacó (MT 8.11). Da mesma forma o autor aos Hebreus ensina que os santos do VT são partes da igreja (Hb 12.1;22,23). Não podemos, portanto, jamais, eliminar o VT da doutrina da igreja. Da mesma forma, precisamos analisar como os apóstolos ensinaram sobre a igreja, pois eles tiveram uma percepção inspirada tanto do VT como dos Evangelhos e testemunho dos apóstolos. Partindo disso e levando em conta o que disse Paulo a Timóteo 2Ti 3.16,17 vamos analisar a base bíblica para a igreja e suas objeções.

2. A Base bíblica para a igreja institucionalizada

Em todo VT Deus se volta a um povo e a uma comunidade institucionalizada. Uma comunidade que teria um selo que era a circuncisão, já que teriam que ter um compromisso com as leis civis e cerimoniais e, principalmente com a lei moral, pois a Lei de Moisés incluía as leis morais, cerimoniais e civis (Rm 4.9-16). As promessas dos profetas eram destinadas a um povo ou a uma comunidade. Assim o Senhor falou:

Dt 7:6-7 6 Porque tu és povo santo ao SENHOR, teu Deus; o SENHOR, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra. 7 Não vos teve o SENHOR afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos,
Notem como Pedro escreve semelhantemente falando da Igreja:

1 Pe 2:10 10 vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia.
Tanto Deuteronômio como 1Pe afirmam que a igreja é uma comunidade institucionalizada e que Deus a colocou com diretrizes e normas que estão na sua Palavra. Notem como Pedro simplesmente aplica o que está em Ex 19.6:
1 Pe 2:9 Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;
Ex 19:5-6 5 Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; 6 vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel.
Portanto, os apóstolos perceberam que o VT ensinava que a igreja era algo institucionalizado e definido como tendo uma forma de iniciação, seja através da circuncisão por causa das leis civis no VT, seja através do batismo no NT, já que não nascemos mais comprometidos com a lei civil (At 2.41; 8.12; 10.48; 18.8; 19.5; Rm 6.4; 1Co 1.13,14; Gl 3.26-28). Todos esses textos demonstram que o batismo demonstrava no NT uma declaração e compromisso com a comunidade local chamada igreja. Por isso que Paulo fala em Gálatas 3.28 que não pode haver diferença entre “judeu, nem grego, escravo, homem ou mulher” porque todos fazem parte de um só povo.

No NT a palavra εκκλησια (ekklësia) (igreja) aparece primeiramente nos Evangelhos. Apesar de que os Evangelhos não foram os primeiros livros a serem escritos no NT, já havia tradições orais em grego dos ditos de Jesus pelos apóstolos antes das primeiras epístolas de Paulo. Portanto a palavra ekklësia foi manifestada pelos apóstolos de Jesus pela primeira vez.

A palavra ekklësia significa uma assembléia, uma reunião de pessoas convocadas. A sua própria etimologia composta de ek (trazer para fora) + klësia de kaleö (chamar) demonstra esse conceito, colocando-a como uma assembléia instituída. O NDITNT fala da palavra no uso secular: “ela é confirmada de Eur. e Hdt por volta do século V a.C. e denota no tempo antigo a assembléia popular do bons cidadãos da cidade”. No VT ela substitui a palavra hebraica qahal que denota também assembléia institucionalizada. Tanto o conceito secular como do VT denotavam uma assembléia institucionalizada porque implicava cidadania e reunião solene.

Quando os apóstolos usaram a palavra ekklësia, eles eram conscientes que se tratava de uma assembléia de caráter institucionalizada. Podemos perceber nas seguintes passagens:

Mt 16:18-19 18 Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; 19 E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.
Nesse texto, Jesus fala de sua igreja e demonstra que ela está edificada sobre a Petra (rocha), Cristo, juntamente com outras pedras Petros (pedra), pois são os apóstolos e profetas, como afirmou Paulo aos Ef 2.20, que a igreja está alicerçada, tendo Cristo como rocha. Da mesma forma, Jesus demonstra a sua institucionalização quando afirma que o que Pedro ligar na terra, teria sido ligado no céu e o que ele desligasse teria sido desligado no céu. Jesus estava demonstrando a autoridade apostólica, pois ele repete essa expressão quando fala da disciplina na igreja (Mt 18.17,18).

Outro texto está também em Mateus quando Jesus fala sobre a disciplina.

Mt 18:15-20 15 Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. 16 Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. 17 E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano. 18 Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus. 19 Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus. 20 Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.
Notemos que Jesus não negou que na igreja houvesse problema, fraqueza, hipocrisia e até uma pessoa que tenha que ser considerada gentia. Jesus, ao contrário destes líderes, valorizava a igreja, mesmo reconhecendo a sua fragilidade. Nesse texto está tão claro a sua institucionalização que se duvida de qualquer outra coisa menos disso. Jesus trata de um problema de um irmão e ensina que seja confrontado; caso ele não aceite, leve duas pessoas. Se isso não resolver, Jesus fala que se deve falar à igreja. Jesus estava demonstrando o valor da igreja e a sua autoridade institucionalizada.

Nos Atos dos Apóstolos a igreja é demonstrada como uma instituição. Notemos que ela tem um grupo de liderança, os apóstolos de Cristo, a quem a igreja reconhecia a sua autoridade, prestava contas e tratava de assuntos doutrinários (At 4.34,35; 8.14; 9.15; 15.2-6). Esses apóstolos elegeram diáconos, presbíteros e reconhecia-os nas igrejas (At 6.5,6; 14.22,23). Diante de todos esses textos, não se pode ter dúvida sobre a institucionalização da igreja.

O que dizer de Paulo e dos demais apóstolos?

Foi Paulo que afirmou que o Senhor concedeu alguns para apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres para a edificação do Corpo de Cristo (Ef 4.11,12). Paulo começou afirmando que existe uma só fé e chega ao ápice da igreja local onde estamos submissos aprendendo em amor com os apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres; mesmo entendendo que os apóstolos e profetas terminaram em Paulo e ficaram somente seus ensinamentos como Palavra de Deus (Ef 2.30; 3.5).

Paulo mesmo fala da ceia e da necessidade de discernir o corpo de Cristo, demonstrando a sua definição e instituição. No texto de 1Co 11.22 Paulo faz uma diferença clara e inteligível entre as casas dos irmãos e a igreja de Deus institucionalizada. Ele escreveu:

1 Co 11:22 22 Não tendes, porventura, casas onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto, certamente, não vos louvo.
Paulo ensina no contexto da Ceia do Senhor que a igreja é um lugar onde se deve celebrar a ceia do Senhor em comunhão debaixo da autoridade dos bispos e presbíteros. Isso é uma clara declaração de Paulo da igreja como instituição.

O próprio Paulo usou metáforas que levam a igreja como uma instituição, pois ele chamou a igreja de “Lavoura de Deus e Edifício de Deus” (1Co 3.9). Todas essas metáforas exigem leis e projetos em profunda unidade. Não existe edifício com um tijolo e nem lavoura com uma planta só.

Tiago é o que mais revela a igreja de uma forma institucionalizada, pois ele fala das reuniões em sinagogas dos cristãos convertidos do judaísmo. Fala que se devem chamar os presbíteros da igreja para orar pelos enfermos ungindo-os com óleo (Tg 2.1,2; 5.13-15).

Já no caso do apóstolo João, ele ensina nas suas epístolas que a igreja é algo definido. João demonstra que a igreja não é um ajuntamento informe, ecumênico (como defendem os ecumenistas) e que ninguém sabe quem faz parte dela. Notem o que João ensinou:
1 John 2:19 19 Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos.
João ensina uma profunda definição da igreja, pois eles saíram do nosso meio e que aqueles que saíram não eram dos nossos. A igreja não pode ser considerada um lugar indefinido, mas um lugar que é reconhecido e só pode acontecer isso sendo uma instituição.

3. Problemas na Igreja

Um dos argumentos desses líderes é que a igreja está muito decadente. Na verdade, existem muitos escândalos, muitos aproveitadores do Evangelho. A Teologia da Prosperidade fez igrejas e denominações verdadeiros shoppings da fé, onde se escolhe comprar o que deseja e o que se precisa. Precisamos admitir que tudo isso é verdade e que realmente o Evangelho se tornou um produto. Cada vez mais Jesus está saindo do centro para Mamon. Porém, isso não anula a igreja de Cristo institucionalizada. Tanto Jesus como todos os apóstolos reconheceram que a igreja teria problemas, escândalos, mercadores do Evangelho e hereges sem diferença nenhuma de hoje. Talvez até pior que nos dias atuais.

Quando Jesus fala da igreja e evidencia aquele que poderia ser considerado um gentio, Jesus está reconhecendo um problema na sua igreja que ela teria que tratar, assim também como a falta de perdão, onde ele trata no mesmo capítulo de MT 18.

Paulo escreveu à igreja de Corinto que tinha divisões, um caso de incesto que ele disse que nem entre os gentios havia; profunda insensibilidade em relação à ceia do Senhor e profundas heresias como erros doutrinários sobre a ressurreição dos mortos (1Co 1.11; 5.1; 11, 15). Essa igreja Paulo chamou de “igreja de Deus, santificados em Cristo Jesus e chamados para ser santos” (1Co 1.2). Como alguém ousa chamar menos do que isso? Na igreja sempre haverá aqueles que se aproveitarão do Evangelho para tirar vantagens. Os apóstolos falaram sobre isso:

2 Co 2:17 - Porque nós não estamos, como tantos outros, mercadejando a palavra de Deus; antes, em Cristo é que falamos na presença de Deus, com sinceridade e da parte do próprio Deus.
Mas mesmo assim, Paulo não ousa dizer que a igreja de corinto era um clube ou tenha perdido a esperança nesta igreja, ou ofereça um grupo alternativo “espiritual” para os que não davam problemas, como os da casa de Cloe que lhe trouxeram as notícias da igreja. Paulo não fez isso porque sabia sobre a doutrina da igreja, pois somente alguém que é deficiente em análise bíblica nessa área ou não tenha toda a Bíblia como inspirada por Deus não veria as muitas bases bíblicas sobre a igreja de Cristo como instituição.

Pedro e Judas também falam dos líderes que eram aproveitadores, que eram interesseiros e que andavam segundo as suas paixões (2Pe 3.3; Jd 1.16). Em nenhum momento Pedro e Judas dão outro grupo para os irmãos destinatários das suas epístolas.

O que falar do Apocalipse? Esse livro esclarecerá muito porque Jesus escreve a sete igrejas da Ásia. Jesus, ao escrever a essas igrejas, não deixou de mostrar os sérios problemas dentro dela a ponto dele querer tirar o castiçal da igreja de Éfeso e de vomitar a igreja de Laudiceia. Todas as igrejas eram formadas de defeitos, mas no meio de todas elas estava o próprio Jesus, pois ele é aquele que anda no meio dos sete castiçais de ouro, que são as sete igrejas – símbolo da igreja universal.

Essa igreja cheia de problemas e defeitos, com perigo de falsos apóstolos, que se envolvia com a doutrina dos Nicolaitas e com a doutrina de Balaão, que era autossuficiente e não definida João a viu como “Noiva e esposa do Cordeiro”; a “a Jerusalém que descia do céu” (Ap 21.9,10).

Conclusão:

Geralmente, os ataques à igreja são fruto de uma fraca base nas Escrituras e geralmente se cai em profunda contradição, pois ao preterir a igreja como instituição e dar como alternativa outro grupo cai-se em vários erros: o primeiro é o da soberba, pois acha-se que aquele grupo é melhor que os demais. Cai no mesmo erro dos coríntios. Só que hoje é grupo de Caio Fábio, já outros que se acham mais espirituais dizem que "são de Cristo" e não têm igreja nenhuma. Segundo, cai no erro da insensibilidade porque quando se faz essa análise, fala-se de cima de um pedestal como se fosse um deus e os demais são salteadores e ladrões.

Na história dos avivamentos Deus sempre agiu na igreja como instituição unindo, movendo líderes e membros a uma maior comunhão com Deus para seu serviço e missão. Quando não acreditamos na igreja, perdemos de vista a necessidade de um avivamento nessa igreja que Jesus comprou com o seu próprio sangue.

Portanto, o grande problema dessa falsa compreensão é que não se busca um avivamento. Busca-se a solução de uma forma errada, buscando outro grupo desqualificando os demais. Porém, precisamos perceber o problema e juntos admitirmos que precisamos de um avivamento e juntos orarmos confessando nossos pecados confiando na promessa de que “se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos, então, eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra” (2Cr 7.14).