terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O DEUS DESCONHECIDO DOS CRISTÃOS



INTRODUÇÃO

Dizer que Deus é desconhecido no meio do cristianismo é algo chocante. Mais chocante ainda quando esse desconhecimento vem da igreja evangélica. Isso se deve a vários motivos. Primeiro, devido à ideia de que Teologia é algo somente acadêmico; que somente pode ser tratado nos seminários; que não se pode ter espaço para ensinar teologia para os irmãos simples. Esses não percebem que qualquer texto da Bíblia, o mais simples que seja, evocará algum conhecimento de Teologia e da sua visão de mundo com respeito aos ensinamentos dela.

Segundo motivo é que alguns pastores fazem uma relação distorcida de Teologia com ideias teológicas que alguns teólogos tiveram. O estudo da Teologia moderna leva a estudar o pensamento de vários teólogos liberais e Neo-ortodoxos acerca das Escrituras e de Cristo. Esses pastores relacionam a essa teologia somente. Porém, quando eu falo em teologia, eu falo do estudo das doutrinas da Bíblia reveladas no VT e NT e não dos pensamentos de quaisquer que sejam os teólogos, embora que se possa citar o que disseram a respeito de algum assunto, mas a base sempre será a própria Bíblia e não os conceitos iluministas e existencialistas de alguns teólogos. O pressuposto é na inspiração verbal e plenária da Bíblia como ela mesma reivindica ser.

O terceiro motivo é o declínio da pregação e do ensino nas igrejas. A pregação deve revelar quem Deus é conforme revelado nas Escrituras como afirmou Paulo aos presbíteros de Éfeso: “porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27). Quando falo pregação, não quero dizer eloqüência, mas conteúdo bíblico e expositivo. Isso quer dizer que o pastor deve ter a perícia de trazer às pessoas o que a Bíblia ensina sobre Deus em suas várias passagens das Escrituras com simplicidade e profundidade para que entendam. Um pastor que afirma que não faz uso da Teologia em suas pregações comete erro em várias áreas. É como se alguém dissesse que iria ensinar Língua Portuguesa e não iria fazer uso do Português. Quando se abre a Bíblia, estamos tratando de Teologia seja de uma forma, seja de outra. Seja erudita, seja autodidata; seja consciente, estudada ou intuitiva. É como se alguém dissesse que iria falar dos discursos de Platão e não iria falar em filosofia.

O objetivo desse ensaio é analisar pelas Escrituras alguns equívocos acerca de Deus e de seus atributos trazendo uma maior reflexão sobre os atributos da soberania, justiça e do amor de Deus mediante algumas afirmações sobre Deus nesses últimos anos.

O episódio da grande catástrofe no Haiti trouxe vários questionamentos acerca de Deus e até uma ênfase à chamada “Teologia Relacional” ou “Teologia Aberta” defendida pelo Pr. Ricardo Gondim. Não tenho a intenção de falar sobre isso especificamente, pois já muitos eruditos refutaram muito bem o que está sendo ensinado por esse amado pastor. Minha intenção é apenas analisar segundo as Escrituras alguns atributos de Deus mediante algumas declarações de algumas pessoas diante de uma catástrofe como a do Haiti.

1. O Deus que se vinga

É impressionante que temos a facilidade de assimilar um conhecimento por terceiros sem ao mínimo questionar, ou de assimilar algum conceito sobre Deus com base apenas nos conceitos humanos, filosóficos e não da Bíblia. Existem expressões e afirmativas que vêm por séculos sem alguém analisar no todo da Bíblia se de fato é assim. Por isso, a importância dos teólogos e dos mestres para analisarem se de fato essas afirmações são verdadeiras ou não. Uma das afirmativas muito usadas por muitas pessoas quando acontece uma tragédia é que Deus não é vingativo para fazer isso com alguém, Deus não é carrasco; mas precisamos analisar o que afirma a Bíblia sobre Deus e o que vem ser a vingança de Deus.

Existem vários textos na Bíblia que afirmam categoricamente que Deus se vinga. O primeiro texto a demonstrar a vingança de Deus é Nm 31.3, onde Deus afirma que seu povo iria trazer a “vingança do Senhor” aos midianitas. A forma que os israelitas iriam fazer não era carinhosa, mas violenta. Moisés ainda repreende os oficiais do exército de Israel por que não mataram as mulheres também. Ele as manda matar, como também as crianças do sexo masculino (Nm 31.17).

Outra passagem está em Dt 32.35:

A mim me pertence a vingança, a retribuição, a seu tempo, quando resvalar o seu pé; porque o dia da sua calamidade está próximo, e o seu destino se apressa em chegar.

Deus fala através de Moisés que a sua retribuição é a seu tempo e que a ele pertence a vingança. Outras passagens atestam isso como: Sl 58.1; 79.10; 99.8; 149.7; Is 34.6-8; 35.3,4; 47.3; 59.17; 61.1,2; 63.4; Jr 11.20; 20.12; 46.10; 50.28; 51.6, 11; Ez 24.8; 25.14-17; Mq 5.10-15; Na 1.2; Lc 21.21,22; Rm 12.19; 2Ts 1.7,8; Hb 10.30,31

Diante de tamanha base bíblica, não se pode ter dúvida que Deus se vinga. Porém, precisamos analisar que a vingança de Deus é justa, perfeita e correta. Vingar-se significa trazer a juízo os feitos de alguém. A palavra grega εκδικησις traduzida para vingança traz muita luz, pois é uma junção de duas palavras que demonstram “buscar, tirar retidão ou juízo”.

Isso quer dizer que a vingança em si não é errada. O Estado quando pune o criminoso está vingando corretamente e fazendo o seu papel como ministro de Deus para punir o mal. Isso é ensinado por Paulo que fala, inclusive, da espada (Rm 13.1-4). O problema é quando nós mesmos fazemos essa vingança. A Bíblia ordena que deixemos a vingança para o Deus da Vingança por que ele é justo em fazer, pois é completamente imparcial. Nossa vingança é totalmente manchada pelo pecado e digna de juízo, caso a façamos. Por isso Paulo ensina aos romanos (12.19-20):

19 não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. 20 Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça.
Quando a Bíblia afirma que Deus faz a sua vingança significa que ele mesmo julga e condena aqueles que transgridem a sua Lei. É isso que Paulo fala da “ira”. Apesar de que não escreveu o complemento “de Deus”, mas fica subtendido pelo contexto. Nesse caso, todos merecem a vingança de Deus porque todos pecaram e pecam. Para escapar dela precisa-se de confiar na propiciação de Cristo em aplacar a ira de Deus como afirma o autor aos Hebreus (10.30-31):

Ora, nós conhecemos aquele que disse: A mim pertence a vingança; eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. 31 Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo.
Notem que o autor citou o texto de Dt 32.35,36 no contexto de que Deus punia os povos a seu tempo, inclusive aqueles que estavam entre o seu povo. Deus tem um tempo para o acerto de contas entre todos. Foi isso que Jesus ensinou na parábola do rico insensato (Lc 12.19,20):

Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. 20 Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?
Jesus ensina que seria naquela noite. Deus tem o dia certo do acerto de contas dos homens. Alguns para a vingança de Deus, outros para consolo eterno. É isso que ensina também Isaías 61.2:

a apregoar o ano aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram
É importante frisar que Jesus entendeu que os eventos catastróficos eram vingança de Deus. Notem que Jesus falou exatamente isso ao se referir à destruição de Jerusalém pelos romanos nos anos 70:
22 Porque estes dias são de vingança, para se cumprir tudo o que está escrito. 23 Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias! Porque haverá grande aflição na terra e ira contra este povo (Lc 21.22-23).
Tenho certeza absoluta que o terremoto no Haiti não se compara à descrição de Jerusalém. Judeus mortos e crucificados, casas queimadas e destruídas totalmente, crianças e mulheres grávidas foram mortas. Diante dessa catástrofe tão cruel que fez Jesus dizer que seria “grande tribulação que desde o princípio do mundo não tem havido” (Mt 24.21) ele identifica como vingança de Deus e dirigida por ele, pois ele afirmou que é para que se cumpra. Isso implica em propósito.

Precisamos entender que a vingança de Deus não privilegia ninguém. Quando acontece um terremoto devastador e mata muitas pessoas não significa que aquelas pessoas eram mais pecadoras que outras, mas que Deus quis acertar as contas com aquelas e chamar à eternidade outras pessoas. Como escreveu Salomão em seu livro Eclesiastes 3.16,17:

16 Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça, maldade ainda. 17 Então, disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo para todo propósito e para toda obra.
Por que ele faz isso com alguns e não outros, não sabemos. Isso está em seu propósito eterno e sábio. Jesus contou uma parábola no contexto quando falaram a ele sobre duas catástrofes (Lc 13.1-9). A parábola diz respeito de uma figueira que um homem buscava fruto nela e não achava, então ele disse ao viticultor que a cortasse. O viticultor afirmou que ele deixasse pelo tempo de um ano. Durante esse ano ele prepararia a terra. Se ela não desse fruto, ele poderia cortar (Lc 13.6-9). Isso demonstra que Deus tem um tempo diferente para cada pessoa ou grupo de pessoas. Como afirmou Moisés em Dt 32.39-41

39 Vede, agora, que Eu Sou, Eu somente, e mais nenhum deus além de mim; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar alguém da minha mão. 40 Levanto a mão aos céus e afirmo por minha vida eterna: 41 se eu afiar a minha espada reluzente, e a minha mão exercitar o juízo, tomarei vingança contra os meus adversários e retribuirei aos que me odeiam.
Deus está falando de juízo e que ele mata para juízo ou para chamar aqueles a quem ele bem quer como aconteceu com vários profetas e apóstolos que foram mortos, maltratados e exilados.

Portanto, precisamos entender que todos são incluídos nesse juízo, inclusive os crentes. Foi isso que Jesus ensinou quando o questionaram sobre dois eventos de catástrofe (Lc 13.1-5).

É importante analisar que dentre aqueles que morreram no dilúvio havia pessoas de boa índole e com padrões éticos também. Notem que quando Jesus falou do dilúvio ele afirmou que nos dias anteriores alguns casavam e dava-se em casamento (Mt 24.37,38). Fica óbvio que aqueles que casavam tinham certo rigor ético na sociedade. Precisamos lembrar que a graça comum sempre existiu no coração do homem para agir com certa ética e exigir justiça. Todavia, Deus destruiu a todos no dilúvio e somente Noé e sua família escaparam por causa da graça e misericórdia de Deus, pois o mal no coração do homem já estava em seu mais alto grau (Gn 6.5).

Isso não implica dizer que não somos exortados a ter compaixão e a ter empatia com as pessoas atingidas nessas catástrofes (Mt 24.34-40). Precisamos amar o nosso próximo como a nós mesmos e ajudá-los sem buscar nada em troca. Quando fazemos isso estamos fazendo a Cristo, que nos dá o exemplo dando chuva e sol a todos (Mt 5.45).

2. Entendendo a expressão “Deus é amor”

Muitas pessoas entendem de uma forma errada a expressão do evangelista João quando afirma que “Deus é amor” (1Jo 4.8; 16). Com base nessa declaração, afirmam que Deus jamais seria autor de tragédias ou de fazer juízo contra alguém. Tem alguns que descartam até o juízo eterno do Inferno com base nessa expressão.

O problema é que essas pessoas analisam o amor de Deus com base no conceito que temos de amor humano e não do ponto de vista de Deus que é revelado pelas Escrituras. Não é sem razão que Paulo afirmou que o amor de Cristo excede todo entendimento (Ef 3.19).

2.1. O amor que julga

Precisamos analisar a expressão “Deus é amor” com a analogia de toda a Escritura (1Jo 4.8; 16). Notemos que João nesse mesmo contexto afirma em que consiste o amor de Deus: é que ele enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados (1Jo 4.10).

Paulo ensina que Deus prova o seu próprio amor para conosco que Cristo morreu por nós sendo nós ainda pecadores (Rm 5.8). Isso implica dizer que Deus ama julgando, pois Deus julgou Jesus pela sua igreja (2Co 5.17).

Agora, com um pouco de raciocínio iremos perceber que alguns colocam o sofrimento de Cristo como inferior aos demais. Muitos pastores e humanistas afirmam que Deus jamais julgaria uma pessoa, uma nação ou jamais destruiria uma cidade porque Deus é amor, mas aceitam perfeitamente que Deus julgou Jesus por nossa causa. Agora, se afirmam que Deus jamais faria nada a alguém, mesmo sabendo que não existe uma só pessoa justa e que todos são merecedores do eterno juízo de Deus, como aceitam de boa mente o juízo de Cristo na cruz pelo próprio Deus sendo que Jesus era inteiramente justo e inocente?

Alguns podem argumentar que é diferente porque Deus puniu Cristo porque queria salvar o seu povo, mas não deixou de punir um inocente, ainda mais que Cristo é da mesma essência que Deus, digno de ser honrado para sempre, Deus Eterno. Quem foi ultrajado, humilhado foi o próprio Deus na pessoa de seu Filho Jesus Cristo. Se alguém questiona o amor de Deus por julgar, ainda não sabe que o amor de Deus exige juízo, pois para Deus amar, tem que ser propiciado diante de sua ira como afirmou o próprio João: “10Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.10).

Em minha opinião, ainda não vi alguém ser tão bíblico sobre o amor de Deus como John Stott em sua grande obra chamada “A Cruz de Cristo”. Stott cita Emil Brunner para demonstrar que o amor de Deus não pode ser visto sem levar em conta o seu juízo. Ele afirma:

Emil Brunner, no livro O Mediador, não hesitou em falar da "na¬tureza dual" de Deus como sendo "o mistério central da revelação cristã". Pois "Deus não é simplesmente amor. A natureza de Deus não pode ser esgotada com uma única palavra". Deveras, a oposição moderna à linguagem forense com relação à cruz é, principalmente, "devida ao fato de que a idéia da santidade divina foi tragada na do amor divino; isso significa que a idéia bíblica de Deus, na qual o elemento decisivo é essa natureza dupla de santidade e amor, está sendo substituída pela idéia moderna, unilateral, monística de Deus". Contudo, "a dualidade de santidade e amor. . . de misericórdia e ira não pode ser dissolvida, mudada para um único conceito sintético, sem que ao mesmo tempo se destrua a seriedade do conhecimento bíblico de Deus, a realidade e o mistério da revelação e expiação. . . Aqui surge a 'dialética' de toda a teologia cristã genuína, cujo objetivo é simplesmente expressar em termos de pensamento a indissolúvel natureza dessa dualidade". Assim, pois, a cruz de Cristo "é o evento no qual Deus simultaneamente torna conhecida sua santidade e seu amor, em um único evento, de um modo absoluto". "A cruz é o único lugar em que o Deus amoroso, perdoador e misericordioso é revelado de tal modo que percebemos que a sua santidade e o seu amor são igualmente infinitos".[1]
As palavras de Calvino sobre o amor de Deus nas Institutas são muito precisas sobre esse assunto. Calvino escreve em suas Institutas o seguinte:

Que, portanto, fomos reconciliados pela morte de Cristo, não se deve entender como se o Filho nos reconciliasse com o Pai para que este começasse a nos amar, porque antes nos odiava; mas foi reconciliado com quem já antes nos amava, ainda que, pelo pecado, nutria inimizade para conosco. O Apóstolo é testemunha de que afirma a verdade: ‘Deus prova seu amor para conosco em que, enquanto éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós’ [Rm 5.8]. Tinha ele, portanto, amor para conosco ainda quando, exercendo inimizades para com ele, praticávamos a iniqüidade. E assim, de modo maravilhoso e divino, ainda quando nos odiava, ele nos amava.[2]
Calvino coloca de uma forma muito sábia essa aparente dualidade do atributo do amor e a sua justiça, pois Deus ainda que nos odiasse, ele nos escolheu nos amar. Mesmo assim, Deus nos amou despejando toda a sua ira em Cristo – o Deus Vivo, inocente, Eterno e cheio de glória.

Portanto, quando falamos em amor de Deus estamos falando de sua santidade e justiça. A santidade e a justiça de Deus estão inseridas no seu infinito amor. Jamais podemos esquecer que a mesma Bíblia onde afirma que Deus é amor, também afirma que “Deus é fogo consumidor” (Hb 12.28,29). O contexto é de que deveríamos andar com reverência e temor por causa exatamente disso. O autor usa essa expressão do VT onde o contexto é de profundo juízo aos desobedientes (Dt 4.23,24). Também não podemos esquecer que Yahweh é chamado de יהוה צבאומ Yahweh Tsabaot / Yahweh dos Exércitos. O Deus que está à frente dos seus exércitos punindo os povos com a sua espada (Jr 15.2-4). Nesse texto de Jeremias é Deus que pune as nações com a morte, fome e com o cativeiro. Por que Deus não poderia fazer isso hoje? Como Deus poderia ser injusto se ele simplesmente julga com justiça os povos e tem em suas mãos o dia dos filhos dos homens?

O homem, nascido de mulher, vive breve tempo, cheio de inquietação. 2 Nasce como a flor e murcha; foge como a sombra e não permanece; 3 e sobre tal homem abres os olhos e o fazes entrar em juízo contigo? 4 Quem da imundícia poderá tirar coisa pura? Ninguém! 5 Visto que os seus dias estão contados, contigo está o número dos seus meses; tu ao homem puseste limites além dos quais não passará (Jó 14:1-5).
Moisés também era consciente disso ao escrever em seu Salmo 90.2-12:

2 Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus. 3 Tu reduzes o homem ao pó e dizes: Tornai, filhos dos homens. 4 Pois mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite. 5 Tu os arrastas na torrente, são como um sono, como a relva que floresce de madrugada; 6 de madrugada, viceja e floresce; à tarde, murcha e seca. 7 Pois somos consumidos pela tua ira e pelo teu furor, conturbados. 8 Diante de ti puseste as nossas iniqüidades e, sob a luz do teu rosto, os nossos pecados ocultos. 9 Pois todos os nossos dias se passam na tua ira; acabam-se os nossos anos como um breve pensamento. 10 Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos. 11 Quem conhece o poder da tua ira? E a tua cólera, segundo o temor que te é devido? 12 Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio.
Geralmente, alguns analisam o amor de Deus segundo os padrões e sentimentos humanos que são distantes assim como a terra dos céus dos padrões de Deus. Muitos imaginam o amor de Deus como que ele tivesse obrigação de fazer algo e de ter compaixão de todos. Veem apenas um Deus sem reivindicação de sua santidade e de sua justiça. As pessoas imaginam as vítimas das tragédias como pessoas que não tivessem nada a ver com Deus e não ultrajassem a Deus com seus pecados. Quando o homem vê as pessoas dentro de uma tragédia, ele vê somente as pessoas necessitadas. Quando Deus as vê, ele as vê como pessoas que merecem seu juízo e que o rejeitam e ofendem diariamente com a transgressão de sua Lei e de sua santidade.

Muitos pastores baseiam-se em escritos de humanistas e filósofos, cuja filosofia é obtusa e completamente descentralizada do escopo das Escrituras. Entre as ideologias humanistas e a Bíblia, não devemos ter dúvidas de qual escolher.

2.2. Análise de João 3.16

O Significado da Palavra κοσμος / mundo

Este verso é o texto básico daqueles que distorcem o amor de Deus. Esse texto é muito mal empregado em evangelismos e usam-no para dar a entender que Deus ama todas as pessoas e que Deus deu Jesus Cristo a todas as pessoas como prova da salvação.

Uma análise bem detalhada do texto aponta para outra direção. Precisamos entender que a palavra κοσμος / mundo na Bíblia tem vários significados. O que determina o seu significado é exatamente o contexto imediato juntamente com uma análise detalhada da analogia de toda Escritura.

A palavra κοσμος / mundo no evangelho de João vem com significados intermitentes. Uma vez quer dizer universo, outra vez quer dizer universalidade. João vem demonstrando esses significados desde o começo do evangelho (Jo 1.9; 10; 29).

Precisamos analisar os significados pelo seu contexto, antes de ir para as demais passagens das Escrituras. Precisamos entender que no verso posterior (3.17) João cita duas vezes a palavra κοσμος / mundo. Dessa vez João faz uma afirmativa interessante mostrando que “Deus não enviou seu Filho para julgar o mundo, mas para que fosse salvo por ele”. A Bíblia é clara em afirmar que nem todos serão salvos, mas somente alguns. Portanto, se alguém interpreta a palavra κοσμος / mundo no v.16 para cada pessoa do mundo, tem um problema aqui porque no v.17 afirma também que Jesus veio para que o mundo fosse salvo. Portanto, precisamos interpretar esse κοσμος / mundo do verso 17 da mesma forma do verso 16. Se dissermos que Deus veio para salvar o mundo todo e não conseguiu, Deus fracassou ou fracassará, mas é impossível o Deus Eterno fracassar. O verso 17 explica o verso 16 demonstrando a finalidade de Deus enviar Jesus ao mundo – a sua salvação. Jesus está falando da universalidade de sua igreja que escolheu antes da fundação do mundo (Ef 1.4)

Portanto, o significado de κοσμος / mundo quando João escreve que “Deus amou o mundo”, é universalidade da salvação. Os judeus achavam que somente eles teriam o privilégio da salvação e do amor de Deus. João ensina no seu evangelho que esse evangelho é para todos de todas as tribos como afirmou Hendriksen em seu comentário:

Devido a esse contexto e a outras passagens nas quais se expressa um pensamento semelhante, é provável que também aqui, em 3.16, o termo indique a humanidade caída, em seu aspecto internacional: seres humanos de todas as tribos e nações; não somente os judeus, mas também os gentios. Isto está em harmonia com o pensamento repetido, por várias vezes, no Quarto Evangelho (incluindo esse mesmo capítulo), de que a ascendência física nada tem a ver com a entrada no reino do céu: 1.12; 13; 3.6; 8.31-39.[3]
F. F. Bruce concorda com Hendriksen nessa interpretação e escreve em seu comentário de uma forma muito clara afirmando:

Sua intenção é expor, em termos de aplicação universal, a lição ensinada a Nicodemus. Se há uma sentença que resume a mensagem do Quarto Evangelho, aqui está ela. O amor de Deus não tem limites; ele engloba toda a humanidade... A essência da mensagem da salvação é deixada tão clara que não permite mais dúvidas, em uma linguagem que pessoas de todas as raças, culturas e épocas podem compreender, e é exposta nestas palavras de maneira tão eficaz que, provavelmente, muitos acharam a vida mais através delas do que por meio de qualquer outro texto bíblico.[4]
O objetivo do amor de Deus no verso

O próprio verso afirma o objetivo de Deus amar o mundo. João usa uma oração adverbial final com a conjunção grega ‘ινα / hina para demonstrar a finalidade e propósito de Deus amar o mundo e de dar seu Filho Unigênito. A finalidade é exatamente que πας ‘ο πιστευων εις αυτον / “todo Aquele-que-crê nele” tenha vida eterna. A expressão “Aquele que crê” é um adjetivo verbal que se coloca como função de sujeito do verbo αποληται / pereça. Devemos entender que as pessoas que não perecerão serão aquelas que foram descritas como que “crêem nele” (um processo contínuo).

O verso explica, então, o que é esse “amar o mundo” revelado no seu objetivo de enviar seu Filho ao mundo, que é salvar “Aqueles-que-creem” nele (1Jo 4.10). O sentido do adjetivo verbal não implica em futuro, mas presente contínuo, demonstrando pessoas definidas, pois tem o artigo. Portanto, essa oração adverbial restringe quem são as pessoas do mundo – aqueles que crêem nele.


Na verdade, os profetas do VT relacionavam o amor de Deus somente para o seu povo e não para todas as pessoas (Is 43.4; Jr 31.3; Os 11.1; Ml 1.2).

O evangelista João confirma isso nas suas epístolas quando fala do amor de Deus somente para a Igreja. Ele afirma:

Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o mundo não nos conhece, porquanto não o conheceu a ele mesmo (1 João 3:1).
Notemos que João enfatiza que o amor foi concedido à igreja. Ele usa o pronome “nos” e usa a primeira pessoa do plural para exatamente falar isso. O texto não dá espaço a um amor a todas as pessoas, mas somente à sua igreja.

Paulo também restringiu o amor de Deus somente à igreja. Ele escreveu aos romanos 5.8:

Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.
Paulo enfatiza o uso dos pronomes em primeira pessoa do plural demonstrando que era somente para a igreja que ele estava escrevendo; logo, a igreja de Cristo. Deus provou o seu amor para NÓS (pode-se traduzir assim do original) em que Cristo morreu por NÓS, sendo NÓS ainda pecadores.


Paulo ainda explica que foi por causa de seu grande amor que fomos salvos:
Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, (Ef 2.4).
 A ênfase é que foi por causa de seu amor para NÓS, pois ele amou aqueles que ele teve misericórdia.

Em uma passagem muito interessante, Paulo escreve que Deus amou a Jacó e aborreceu a Ezaú (Rm 9.13). Aqui temos uma prova que Deus não amou a Esaú. Ele amou a Jacó. Quaisquer que sejam as interpretações mirabolantes desse verso feito por aqueles que defendem o amor de Deus a todos, negar que, dos dois, Deus amou somente a Jacó é crime contra o texto. Isso demonstra que o amor de Deus para a salvação somente acontece àqueles a quem ele escolhe. 

CONCLUSÃO:

Portanto, facilmente adoramos um deus segundo os nossos conceitos, diferente do que foi revelado nas Escrituras. Por trás disso está a idolatria do ego, embora que isso venha com uma capa de compaixão pelas pessoas afetadas. Por trás desse sentimento de demonstrar que Deus não poderia julgar ninguém com tragédias está a demonstração de ser mais cheio de compaixão que Deus e de ser mais justo que ele. A prova disso é que os adeptos da Teologia Aberta ou Relacional têm a tendência de abandonar o texto bíblico e ficarem somente com pensamentos e conceitos filosóficos e humanos.

Quando se argumenta com a Bíblia, mudam de assunto para seus pensamentos. Por exemplo: quando alguém fala que na Bíblia está claro que foi Deus que mandou o dilúvio, foi Deus que destruiu Sodoma e Gomorra; foi Deus que destruiu nações; foi Deus que destruiu Jerusalém. Eles vão imediatamente para seus pensamentos: “Não acredito num Deus que faça isso”; “Deus não é carrasco, mas amor”. Não levam em conta mais o que a Bíblia afirmou e que é cheia de atributos que afirmam que Deus é juiz, fogo consumidor e cheio de ira para com aqueles que não crêem no seu nome (Is 51.17).

Se não aceitarmos que Deus é cheio de ira para com o pecador, a morte de Jesus se torna vazia e completamente sem nexo. Jesus não necessitaria ter vindo resgatar sua igreja, pois Jesus foi atingido pela ira de Deus por causa da substituição. Portanto, àqueles que não foram resgatados ainda, a ira de Deus está sobre esses (Jo 3.36) e precisam da eterna salvação de Deus.

O Deus desconhecido é conhecido através de sua Palavra – o problema é aceitarmos o que ela mesma diz a respeito de Deus.

[1] STOTT, John R. W. A Cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 1992, p. 118.
[2] CALVINO, João. Institutas. Traduzida do latim no tema "A DESPEITO DE NOSSO PECADO E REBELDIA, QUE LHE EXCITARIAM A IRA, DEUS JAMAIS DEIXOU DE NOS AMAR". Livro II.XVI.4
[3] HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 192.
[4] BRUCE, F. F. João: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 87

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